Eu comecei a perder o juízo depois de velho e o meu atestado de doido veio com o certificado de compra de uma moto. Alguns amigos que são igualmente doidos vibraram comigo e cheguei mesmo a conhecer muitos outros companheiros que poderiam estar internados comigo no mesmo hospício, caso não tivessem – eles também – motos mais potentes que a minha. Mas o que cresceu mesmo foi minha legião de críticos, a mesma que consegui ao começar a fazer teatro. Agora essa tribo já consegue lotar um estádio, com direito à minha mãe ser líder de torcida. Mas, quando a velha não puder comparecer, ela poderá ser substituída sem nenhum prejuízo por uma amiga que tenho e que tem medo de tudo, desde dirigir à noite até andar de avião.
Mas esse povo todo gosta mesmo é de falar, igual à Candinha do Roberto. A minha amiga que tem medo de andar de avião desconhece as estatísticas do IATA (associação internacional de transportes aéreos, na sigla em inglês) quando diz que para cada milhão de aviões que decolam, menos de dois (1,6) apresentarão problemas no percurso. Já o pessoal liderado pela minha mãe só presta atenção nos números de morte no trânsito. Aqui no Brasil 31% dos acidentes fatais são, sim, resultantes dos veículos ciclomotores, mas nosso país é um dos recordistas ( o quinto maior do mundo ) de acidentes de trânsito, de acordo com o recente Relatório da Situação Global da OMS.
Alguns dos meus amigos doidos, a minha amiga medrosa e a minha mãe vigilante rodoviária vieram dizer que estão com medo de sofrerem reações secundárias à aplicação de vacinas contra COVID19. Eles me disseram que os imunizantes da AstraZeneca estão provocando trombose. E o pior é que essa tribo de alarmistas, sabendo que gosto de matar a cobra e mostrar o pau, citou até mesmo a fonte de publicação desses dados. Souberam que foi a PLOS Medicine (DOI: https://doi.org/10.1101/2021.08.18.21262222) quem noticiou.
Mas a minha turma não leva em consideração que os doidos por trás dos jalecos leem a mesma informação e interpretam de outra forma. Assim como sabemos que o número de acidentados de moto são os maiores, mas num país que mata muito em qualquer veículo, também sabemos que os males que as vacinas podem causar são infinitamente menores que os benefícios. Também conhecemos a informação que a vacina de outro laboratório, Pfizer, também tem riscos semelhantes. No final das contas, porém, os riscos compensam diante do tamanho de outros desfechos que os imunizantes estão evitando.
Eu sempre digo que juízo é igual a guarda chuva, foi feito pra ser perdido. Mas, se vamos perdê-lo, que o façamos com elegância. A moto que comprei não foi uma qualquer, mas uma Harley-Davidson Fat Boy 114, a mais potente da categoria. Nessa mesma linha de sandices, se vamos nos preocupar com vacinas, que o façamos quando elas deixarem de valer a pena, porque – neste momento – elas estão nos salvando tanto quanto os air bag.
