Medicina/Evidência

Todo mundo tem uma tia rica na família. Ela pode até não ter dinheiro, mas tem pose. Fala difícil, nunca casou e já viajou o mundo. Ninguém comenta, mas suas viagens são aquelas excursões que visitam dez países em uma semana. Seu esporte favorito é corrigir as pessoas e teima que o certo não é “cuspido e escarrado”, mas “esculpido em carrara”. Ralha com quem usa a expressão “cara de um e focinho do outro” porque ‘soa mal’. Cruzes! Toda família sabe que essa tia é a fofoqueira profissional do bairro. É aquela mexeriqueira que vive comentando a vida de todos e reparando as semelhanças físicas entre o filho do vizinho e o leiteiro.


Mas, ao contrário dessa nossa tia velha que se diverte arquitetando maldades no whatsapp, existem algumas pessoas – ou grupo de pessoas – que se dedicam seriamente a prestar atenção naquilo que realmente interessa.

Os cientistas compõem essa segunda turma. Eles passam a vida a procurar semelhanças e diferenças entre os fenômenos e fazem comparações que não geram fofocas. Das suas redes não saem especulações, mas teses que exigem muita dedicação e nenhum preconceito. Uma dessas patotas, compostas por estudiosos de vários países diferentes, vem estudando uma coincidência muito grande entre pressão alta e diabetes, as duas doenças crônicas mais prevalentes e relevantes no âmbito universal.
O Dr. Audrys G. Pauza, que pertence ao Translational Health Sciences, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, reuniu colegas distribuídos pelas mais renomadas escolas médicas do mundo sob patrocínio do European Research Council (ERC) dentro do programa de inovação e pesquisa do European Union’s Horizon 2020 , da British Heart Foundation e do Health Research Council da Nova Zelândia, além de outras entidades públicas de fomento, para estudar o porquê de tantos hipertensos desenvolverem diabetes após algum tempo de doença.
Os estudiosos mostraram que a enzima GLP1, intimamente relacionada a diabetes, participa também, ao mesmo tempo, da regulação dos valores de pressão arterial. O mecanismo é bastante complexo, mas os descobrimentos apontam para a existência de uma função mais ampla dos receptores que a modula e que estão situados nas artérias carótidas. Um feito dessa importância mereceu ser publicado na Circulation Research (GLP1R Attenuates Sympathetic Response to High Glucose via Carotid Body Inhibition DOI: 10.1161/CIRCRESAHA.121.319874 March 4, 2022), garantindo o aval da comunidade acadêmica.
As portas que esses cientistas abriram expande a possibilidade de novas formas de tratar e oferecem compreensão para novas vias fisiopatológicas dessas doenças, com a chance – até – de se chegar a uma futura razoável conclusão de que hipertensão e diabetes sejam muito mais que primas, mas irmãs (siamesas?).
“Ponhar reparo”, como dizemos nós, os caipiras, pode – então – não ser um costume tão reprovável. Basta que nossos olhos compridos mirem a direção certa e que as nossas línguas não sejam tão ferinas.

O Dr. Audrys G. Pauza, que pertence ao Translational Health Sciences, reuniu colegas distribuídos pelas mais renomadas escolas
médicas do mundo para estudar o porquê de tantos hipertensos
desenvolverem diabetes após algum tempo de doença // Crédito: ResearchGate
  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

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