MEDICINA/EVIDÊNCIA

Apesar de não haver pena capital no Brasil, muitos ainda brincam com a morte: São aqueles que ousam perguntar para uma mulher qual é a sua idade. Outros, também, que gostam de desafiar a dama da foice são os marombeiros que chamam de ‘senhor’ o tiozão da academia. Essa gente desconhece que só os bem-educados e os profissionais da cirurgia plástica sabem que não existem vínculos entre idade e aparência. Enquanto isso, é bom fingir cegueira e não perceber nem os tons acajus e nem o loiro médio número sete.
Mas, a própria história é imprudente. Ela chama de moderna uma senhora de 336 anos e de contemporânea uma outra que já tem mais de 230, se esquecendo que a mocinha não conseguiu construir metade do que sua antecessora, a mesma que fez a expansão marítima europeia, a revolução comercial e o mercantilismo, o colonialismo europeu na américa, o renascimento cultural, a reforma e contrarreforma protestantes, o absolutismo e o iluminismo.
Nossa amiguinha contemporânea não consegue se firmar. Ela elege e destitui ícones na mesma velocidade, patenteando sua sabedoria contraditória e fugaz. É pródiga em destruir, em acabar com os dogmas vigentes. A personificação disso pode ser conferida no niilismo de Nietzsche, que acabou com o platonismo e o cristianismo numa tacada, e num simples piscar de olhos. Enquanto o filósofo alemão tratou de destruir, aqui na “terra brasilis” o que há é um movimento de ressurreição de teorias que se criam merecidamente esquecidas. O movimento eleitoral de 2022 quer ouvir pelas ruas o mesmo “anauê” integralista, sem outras substituições além da troca da cor das antigas camisas verdes pelas amarelas. Assim, o que marca a contemporaneidade não é a construção, mas a substituição do clássico pelo que lhe pareça mais belo, destruindo tudo pelo simples prazer de ouvir as marretadas.
Mais recentemente, portanto bem depois (e distante) de Nietzsche, Stephen King ilustrou em forma de ficção a possibilidade de mantermos vivos o que o passado nos deixa de valioso, numa historinha de terror. Na coletânea de contos “If it bleeds”, adaptada para o cinema com o nome de “o telefone do Sr. Harrigan”, é exatamente um jovem (dando vida ao que podemos chamar de contemporâneo) quem recebe os ecos selecionados do passado para não deixar esquecido o que sempre valerá a pena ser lembrado. Mesmo depois de morto o Sr. Harrigan (Donald Sutherland) continua utilizando a modernidade, um telefone celular, para manter vivos valores como amizade e lealdade, transmitidos para a nova geração personificada pelo garoto Craig (Jaeden Marttell). Uma bela alegoria, apesar de recheada de mistério e a pitada de horror do mestre.
Porém, nenhuma substituição está sendo mais indecente do que o esquecimento dos benefícios das vacinas. A bola da vez são as viroses dependentes das mudanças climáticas, que se insinuam por trás do umbral da ignorância e da inconcebível resistência à vacinação. Quem quiser entender mais, basta ler Elisabetta Groaz (Anno 2021: Which antivirals for the coming decade? in Annu Rep Med Chem. 2021;57:49-107. doi: 10.1016/bs.armc.2021.09.004. Epub 2021 Nov 3).

Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

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