• MEDICINA/EVIDÊNCIA

Depois de uma certa idade a vida fica bem mais fácil de ser vivida. Os anos nos conferem algumas prerrogativas. Podemos, por exemplo, abrir o peito e revelar que alguns sentimentos morreram. A alma sincera não perde tempo com besteiras e varre para bem longe os figurantes, deixando só os protagonistas. Esperança e patriotismo são dois exemplos de sentimentos que bateram asas. O idoso é um ser que pode escancarar o coração sem rubor, nem temor. Prescinde da necessidade de dar exemplos para os filhos, que se pressupõe já estarem devidamente formados e não está nem aí para a bobagem do politicamente correto quando formula as ideias.
Os cabelos brancos bancam o ingresso vip que permite passar o tempo desfrutando dos ensinamentos amealhados, e também criticar o que merece ser criticado e ignorar tudo que não mereça a fritura dos poucos neurônios hígidos que restam. Ao velhinho é permitido, ainda, ter prazer ao lado de quem lhe tenha conquistado o coração, enquanto oferece uma banana aos desafetos. É permitido mandar para o inferno tudo que interfira no modus vivendi que comprou.
Se aquele tal patriotismo indigesto, forçado a ser engolido desde a infância, mas não digerido por falta de sabor e de substrato, ainda está preso na goela, que seja cuspido, esquecido e abandonado. Quem não tenha se convencido de que sua terra natal seja acolhedora, ou o tal lar para seus filhos, além de uma fonte de bem estar, está convidado a sair dessa trama. Patriotismo hoje é só um slogan, não um conjunto de esforços para a construção de uma nação. Quem ainda acredite nos heróis nacionais, pode ensacá-los junto com outras farinhas que já azedaram.
Tiradentes? – Nada mais do que um revoltado com a cobrança de impostos que não tinha visão de Brasil.
Anchieta? – Um senhor de escravos, que arrebatou indígenas usando a mais infame das armas, que é a fé e a catequese.
Pedro I? Playboy europeu que rompeu com a família para se manter no poder.
Princesa Isabel? – Fantoche do imperador, bon-vivant que se abaixou aos interesses internacionais e, para se esgueirar, forjou uma pretensa libertação de escravos útil apenas para disfarçar uma nova forma de cativeiro.
Patriotismo uma pipoca! – Ilusão! A tal esperança, então, está sepultada no mesmo jazigo onde descansam as forças do trabalho inútil de quem acreditou em besteiras uma vida inteira. Finalmente, os velhinhos que forem criticados por excesso de sinceridade poderão se justificar dizendo-se portadores de uma nova doença, a DFT (deficiência frontotemporal), ou doença da gafe, que se caracteriza por um comportamento inadequado em público e outras coisinhas menores, como um desinteresse pelo autocuidado. Foi desse tipo de demência que a psiquiatra Valeska Carvalho falou no Brain Congress 2022.
Essa patologia, que não é Alzheimer e é classificada como demência degenerativa, tem diagnóstico difícil e pode ser confundida com outras doenças psiquiátricas porque muda comportamento e personalidade. Alguns dos sintomas são muito graves, como a perda da empatia, tal qual acontece na esquizofrenia. Não há tratamento medicamentoso específico e os poucos recursos terapêuticos não são promissores.
Eu mesmo acabei de me aproveitar da situação para soltar o verbo, mas – não sendo tão idoso – acatarei passivamente as críticas.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
DFT (deficiência frontotemporal), ou doença da gafe. Foi desse tipo de
demência que a psiquiatra Valeska Carvalho falou no Brain Congress 2022

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